quarta-feira, 2 de maio de 2012

Amor em estado bruto - Martha Medeiros


O que é o que é?
Faz vc ter olhos para uma única pessoa, faz vc não precisar mais sair sozinho, faz vc querer trocar sobrenome, faz vc querer morar sob o mesmo teto.
Errou. Não é amor.
Todo mundo se pergunta o que é o amor. Há quem diga que ele nem existe, que é na verdade uma necessidade suplérflua criada por um estupendo planejamento de marketing; desde criança somos condicionados a eleger um príncipe ou princesa e com eles viver até que a morte nos separe. Assim, a sociedade se organiza, a economia prospera e o mundo não foge do controle.
O parágrafo anterior responde o primeiro.
Não é amor querer fundir uma vida com a outra. Isso se chama associação: duas pessoas com metas comuns escolhem viver juntas para executar um projeto único, que quase sempre é o de constituir uma família. Absolutamente legítimo, e o amor pode estar incluído no pacote. Mas não é isso o que define o amor.
Seguramente, o amor existe. Mas, por não termos vontade ou capacidade para questionar certas convenções estabelecidas, acreditamos que dar amor a alguém é entregar a essa pessoa nossa vida. Não só nosso eu tangível, mas entregar também, nossas fantasias, nossa libido, nossa energia: tudo aquilo que não pode tentar capturar através da possessão.
O amor em seu estado bruto, o amor 100% puro, o amor desvinculado das regras sociais é o amor mais absoluto e o que maior felicidade deveria proporcionar. Não proporciona porque exigimos que ele venha com certificado de garantia, atestado de bons antecedentes e comprovante de renda e residência. Queremos um amor ficha-limpa para que possamos contrata-lo para um cargo vitalício. Não nos agrada a idéia de um amor solteiro. Tratamos rapidamente de compromete-lo, não com nosso amor, mas com nossas projeções.

O amor, na essência, necessita de três aditivos: correspondência, desejo físico e felicidade.
Se alguém retribui seu sentimento, se o sexo é vigoroso e se ambos se sentem felizes na companhia um do outro, nada mais deveria importar. Por nada, entenda-se: não deveria importar se o outro gosta de fazer algumas coisas sozinho, se o outro tem preferências diferentes das sua, se o outro é mais moço ou mais velho, bonito ou feio, se vive em outro país ou no mesmo apartamento e quantas vezes telefona por dia.
Tempo, pensamento, fantasia, libido e energia são solteiros, mesmo contra a nossa vontade. Não podemos lutar contra a independência das coisas.
Alianças de ouro e demais rituais de matrimonio não nos casam. O amor é e sempre será autônomo.
Fácil de escrever, bonito de imaginar, porém dificilmente realizável. Não é assim que estruturamos a sociedade. Amor se captura, domestica, se guarda em casa.
As vezes forçamos a sua estada e quase sempre entregamos a ele o direitos autorais de nossa existência.
Quando o perdemos, sofremos. Melhor nem pensar na possibilidade de que poderíamos sofrer menos.

Julho, 2000. 

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